Dicendi

18/03/09

ENTREVISTA COM O DIABO

Não sei bem o que se passou comigo naquela manhã de Dezembro, só sei que andava eu pelas ruas da Baixa, quando de repente senti uma pancada na cabeça.

Tentei levantar-me, mas não consegui mexer um dedo. Pensei: - Ok! Toni, estás morto! E estava mesmo. Mas porquê? O que realmente aconteceu? Bom, ouvi dizer que quando uma pessoa morre se eleva no espaço, libertando-se do corpo. Foi o que aconteceu, vi-me a subir no ar e foi nesse momento que reparei, que no meu corpo, inerte, estava um semáforo em cima das minhas costas. Pela confusão instalada apercebi-me que tinha sido um autocarro de dois andares, cabriolet, daqueles que levam os turistas às zonas mais engraçadinhas de Lisboa. O impacto foi de tal maneira forte que havia turistas e máquinas fotográficas espalhadas por todos os lados.

Nesta minha viagem inesperada entrei por um túnel. Ainda pensei que... se não ia para o céu, por que é que tinha de ir pelo túnel do Rossio para o inferno.

Aquilo fez-se bem, e rápido, momentos depois estava à entrada de um portão enorme, em ferro, com umas lanças que mais pareciam espetos, numa qualquer casa de frangos assados. Havia uma fila enorme de homens e mulheres, trocavam-se olhares, sorrisos e alguns até choravam. Tirei uma senha vermelha com o n.º 123.456. Pensei para comigo - Parece-me pouca gente! Só mais tarde é que vi um placar que tinha a seguinte legenda: "MORTE POR ACIDENTE - Abertas inscrições para os que morreram entre as 12H45 e as 12H46".

Sentei-me numa cadeira e esperei calmamente a minha vez. Ao fim de duas horas ouvi um berro.
- António de Jesus!!!!
- Sou eu. Respondi ainda mais alto.
- Dirija-se ao gabinete n.º 2.
E lá fui eu. Quando cheguei ao gabinete a porta encontrava-se fechada, bati, voltei a bater e... entrei, pois claro. Apareceu um homem que me mandou sentar.
Eu simulei ficar impávido, mas o sangue fervia-me nas artérias, precipitando-se para os órgãos previsíveis. Quando o homem regressou trazia com ele um tipo meio esquisito que mais parecia o diabo. Parecia não, era mesmo o gajo em pessoa.
Diabo: Você tem aqui um lindo currículo, sim senhor. Receio que não tenha boas novidades para si.
Toni: Mas olhe que esse currículo está adulterado. É de um vizinho meu, que me pediu para eu enviar para umas pizzarias. Veja lá que o gajo nem carta de mota tem.
Diabo: Sim... sim... irrelevante meu caro, irrelevante.
Toni: Eu sempre fui um homem honesto, amigo dos animais. Nunca roubei, nem menti...
Diabo: Ai sim!!! Então e o que é isto aqui? Deixe-me ler melhor... pois... abandonou um local de acidente, fugiu à polícia... bem... por aí... por aí...
Toni: Nada disso. Eu vou contar-lhe como aconteceu. Um condutor que circulava numa cadeira de rodas entrou em contramão num acesso à A1, no sentido Lisboa-Porto. Eu que vinha a conduzir o meu camião, descansadinho, a falar com um amigo meu pelo telemóvel, quando reparei no gajo da cadeira de rodas não consegui evitar o acidente.
O condutor da cadeira de rodas depois de colidir comigo a grande velocidade ainda se pôs em fuga. A GNR quando chegou ao local, depois de eu ter contado o sucedido, ainda confirmou que tinha visto um condutor numa cadeira de rodas a fazer sinais de luzes e a acenar.
Diabo: Hummm... isso parece-me história.
Toni: Juro-lhe. Até lhe digo mais, lembro-me perfeitamente das horas que eram, porque o relógio está parado há 5 anos e os ponteiros não avançam nem um segundo.
Diabo: Bom, Sr. António de Jesus... Epá... este apelido aqui no inferno não me agrada... Quem foi o autor de tal apelido?
Toni: A minha mãe, sr. Diabo.
Diabo: Como é que ela se chama?
Toni: Chamava-se Maria de Fátima.
Diabo: Estamos pior... Vou ter de lhe ler a sentença.
Toni: Espere!! O meu pai é que era um santo. Chamava-se Luís Judas.
Diabo: Ah! Esse apelido soa-me bem. O que é que o seu pai fazia na vida?
Toni: Era carpinteiro.
Diabo: ???? Carpinteiro????
Toni: Sim. Mas era só ajudante. Segurava nos pregos enquanto o outro martelava.
Diabo: Já estou farto de si homem. O que quer fazer aqui em cima?
Toni: Não sei ainda. Aqui ganha-se bem? Ou nem por isso?
Diabo: Paga-se pouco, mas se for ali para a porta do lado, onde andam os anjinhos... não ganha nada. Agora escolha. Onde quer ficar?
Toni: Fico aqui. Qual é a minha pena?
Diabo: Vai ser condenado à morte.
Toni: Outra vez?
Diabo: Já tinha sido antes?
Toni: Não. Mas em pouco tempo é a 2.ª vez que vou morrer. Quando é que a sentença vai ser executada?
Diabo: Hoje.
Toni: Seja, então. Como vai ser?
Diabo: Com Cicuta.
Toni: Está bem. Pelo menos é diferente.
O diabo toca um pequeno sino que tem na secretária, um homem aparece com um copo de água na mão.
Diabo: Tome, beba e mexa bem, que às vezes o veneno fica no fundo.
posted by Henrique at 22:00

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