Dicendi

24/10/09

O EFECTIVAMENTE

O Efectivamente era um homem revoltado com a vida, com o seu clube do coração com a mulher, os filhos… enfim, com toda a gente. Até o cão de vez em quando arrecadava umas lambadas.

Desgraçada, a sua mulher, não conseguia conter as lágrimas da porrada que lhe caía em cima, era já um hábito antigo, efectivamente, não se sabia se chorava com gosto ou com dor. Efectivamente trabalhava como pasteleiro, num café local, daqueles cafés tipicamente portugueses, ensebadas as mesas dos mais variados tipos de gordura, animal. Não faltavam as mesas em pedra mármore, rachadas, que se cobriam com umas toalhas de plástico, aos quadrados brancos e vermelhos. Era o que se chamava lá naquela localidade, um pasteleiro avant garde.Só trabalhava por encomenda. Tudo o que fossem pedidos a partir de meia dúzia de pastéis de nata obrigava a um pagamento adiantado para a compra do material, efectivamente.

Efectivamente trabalhava com astúcia e habilidade. Uma pirâmide de chocolate era uma obra de arte nas mãos daquele homem, as suas unhas permaneciam durante largos dias, decoradas com adornos achocolatados.

Desgraçada era dona de casa. O seu trabalho consistia em ver as Tardes da Júlia, novelas em português abrasileirado e tinha como passatempo mudar constantemente a antena de posição. Não vale a pena falar dos filhos, nem do cão. Estudavam todos juntos numa escola primária, menos o cão, efectivamente. Esse andava desalmadamente à procura de uma cadela enresinada. Na falta desse encontro, entretinha-se a esfolar gatos e a oxidar jantes de automóveis.

Os filhos eram alunos dedicados. Gostavam tanto da escola e de estudar, que mantinham-se consecutivamente há 5 anos na 4.ª classe. Os pais diziam que um dia ainda haveriam de ser doutores, dada a dedicação aos estudos.

Efectivamente e Desgraçada continuam ainda, nos dias de hoje, a manter a mesma performance, unidos no amor, na amizade e no arrear de pancadaria. Não conseguem viver sem este último.

Esta foi apenas uma pequena história, efectivamente, de duas pessoas, semelhantes a tantas, que nos vão entrando pelas páginas dos jornais, às vezes com contornos de faca e alguidar.
posted by Henrique at 21:13

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