Dicendi

01/10/09

A LUZ QUE VEM DE LONGE

Traça-se um objectivo, que julgamos ser possível atingir. Delineamos os contornos da surrealidade… como se, o que sonhamos durante dias a fio seja projectado aos nossos olhos. Os dias passam e, multiplicam-se, dissipam-se, nascem, renascem e o sonho mantém-se. Escrevem-se palavras, frases, textos e cartas, na ânsia de fazer chegar o que criámos cá dentro, esse sonho.

Lembro-me, nos meus dez anos de idade, escrever uma carta, onde eu dizia, que um dia queria ser um homem grande, como os que via a conduzir os autocarros, aqueles verdes, de dois andares. À noite, quando me deitava, encolhia-me por debaixo dos lençóis e cobertores, imaginava-me num buraco, algures num sítio inóspito, em que muita gente me procurava… e eu ali, escondido, protegido, de tudo e todos… dos maus.

Mas nunca me consegui desviar daquilo que mais me intrigava. Como é que eu seria como pessoa? Como é que os outros me veriam. Como é que seria a minha mulher e os meus filhos? Chegaria eu a velho? Passados estes anos todos, onde aprendi muita coisa e ensinei também, com base no que a vida me trouxe de bom e de mau, chego à conclusão que muito tenho para construir, ainda aos 42 anos. Alguns dos tijolos que fui cimentando, como se fossem capítulos do meu livro da memória continuam bem alicerçados, outros vão criando brechas e outros já foram removidos. Como pessoa sinto que sou diferente, por muito estranho que isso pareça, a quem ler. É a realidade.

Quantos de vós conseguirão escrever, para uma folha de papel o que sentem, o que pensam dos outros, de tudo o que nos rodeia e materializa? Eu consigo. Com muita dor, às vezes, é verdade. Uma frase pode ser o princípio de um passo dado em direcção ao desconhecido, quando o nosso coração teima em contrariar a racionalidade. Sempre pensei que o coração é que manda, é ele quem dita as leis, porque só trabalha de uma maneira, tem sempre a mesma cadência. Não falha… não pode. A outra parte, aquela que nos tenta causar constrangimentos… é o pensamento. Não é a consciência… é o pensamento.

Pensa-se que vamos pelo melhor caminho, que tomamos as melhores decisões e depois arrependemo-nos, porque não ouvimos o coração… sim, o coração. É nesta parte que durante anos lutei, procurei, pela minha outra metade, a que estava entregue à fábrica de sonhos, onde imaginamos uma ilha, a célebre ilha, em que levamos a mulher pintada por nós e esculpida no diamante mais puro. A tinta com que a pintámos desaparece ao fim dos anos, mas o valor da pedra preciosa permanece infinitamente, aqui e além.


É a luz que veio de longe, de tão longe, comigo, desde aquele dia em que estalámos os dedos e pedimos para que nos acompanhasse. E não consigo tirar os meus olhos dela, porque foi e será sempre, esse raio luminescente que me mostrará o caminho que devo seguir, sempre na direcção em que o meu coração mandar.
Tenho um nome, baptizaram-me com orgulho, carinho e amor, muito mesmo. Esse amor que absorvi e guardo esteve sempre destinado aos meus descendentes. Não aconteceu. Sabem o quanto eu desejaria agarrar numa criança, num filho meu e deitar-me junto a ele, de livro aberto e ler a história escolhida para esse dia? Ver adormecer uma criança nos braços, protegida pelo amor de um pai? Correr pelo parque, atirar uma pedra para o lago e vê-la saltitar. Sabem mesmo? Não! Não sabem, porque não conseguem lá chegar. Porque isso não se consegue medir, nem pesar.

Quero que um filho meu, um dia, ao ler estes textos, que se seguem e que advirão, diga bem alto: - Um dia quero ser como o meu pai. Ficarei realizado, pela missão cumprida. Esse tijolo há-de aparecer. Onde? Não sei. Mas garanto-vos… será… com a pessoa certa. É a luz que veio de longe e me acompanha, aqui e ali, onde eu estiver.
posted by Henrique at 00:59

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